26 de fev. de 2011

Alta dos alimentos, outras soluções

(Crédito da Imagem: Ivo Gonzalez - Greenpeace)
O recente aumento no preço dos alimentos tem gerado diversas reações, com justificativas que vão desde mudanças climáticas, como a onda de calor na Rússia, Ucrânia e Cazaquistão que prejudicou a produção de trigo, a até mesmo a simples atividade especulativa dos mercados financeiros.

Atribui-se também a esse aumento dos alimentos e commodities a uma das causas para as recentes revoluções nos países árabes. Além disso, há relação entre a crise dos alimentos e a discussão da reforma do Código Florestal, cujo atual projeto visa, entre outros objetivos, diminuir as áreas de proteção permanente a fim de aumentar as terras destinadas à agricultura e pecuária.

Todo esse cenário faz reacender a discussão sobre o aumento de eficiência na produção alimentícia. Fala-se, portanto, em melhoramento genético, uso transgênicos e defensivos agrícolas.

É importante diferenciar essas três técnicas. O melhoramente genético visa à obtenção de plantas mais produtivas, adaptadas a diferentes agroecossistemas, resistentes a doenças e a pragas, além de maior quantidade nutricional. Esse melhoramento se dá pelo cruzamento de plantas com compatibilidade interespecífica, isto é, escolhe-se espécies com características desejadas e se realiza um cruzamento a fim de combinar essas características.

Isso é diferente do que ocorre na transformação genética, isto é, há a introdução de um único gene de interesse, originário da mesma espécie ou mesmo de outras. Dessa forma, quebra-se a barreira imposta pela incompatibilidade sexual e eliminam-se ligações gênicas indesejadas.

Os defensivos agrícolas, ou agrotóxicos, por sua vez, têm por objetivo principal livrar as colheitas de pragas e ervas daninhas, além de torná-las mais economicamente viáveis. Sabe-se que são altamente nocivos tanto para o organismo humano quanto para ambiente e discute-se o possível uso seguro dessas substâncias.

Ainda há muito receio no que se refere ao uso de plantas transgênicas e agrotóxicos. Há inclusive lavouras denominadas "roundup ready", isto é, culturas modificadas geneticamente para tolerar um herbicida específico.

Contudo, enquanto no Brasil ocorre o incremento do uso de agrotóxicos (desde 2008 o país ultrapassou os Estados Unidos para se tornar o maior consumidor de agrotóxicos do mundo) e de transgênicos (o milho modificado geneticamente deverá ocupar metade da área plantada na safra 2010/11), noticia-se uma grande queda no uso dessas práticas na Europa, ocorrendo inclusive a proibição de cultivo de variedades transgênicas, devido, sobretudo, a evidências cada vez maiores de impactos ambientais e socioeconômicos, o que gerou um enorme conflito de interesses entre os Estados Unidos, maior produtor de transgênicos do mundo, e o mercado europeu.

Ainda se faz necessário realizar mais pesquisas a respeito dos possíveis danos causados pelos lavouras e animais transgênicos e dos agrotóxicos. Nesse sentido, recentemente a CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança) votou contra a liberação do arroz transgênico LL62.
Além disso, diversas medidas devem ser tomadas em relação aos transgênicos liberados ao consumo humano, a exemplo da obrigatoriedade de notificação nos rótulos de alimentos que contém algum ingrediente de origem trangênica. Nesse sentido, há a Portaria nº 2.658, de 18/12/2003 que determina a cor e o tamanho que o símbolo de transgênico deve ocupar na rotulagem de alimentos.

Por outro lado, atualmente, é crescente o uso de técnicas mais ecológicas de manejo e agricultura e percebe-se o aumento do interesse da população em adquirir produtos orgânicos, apesar do preço ser ainda maior do que os alimentos tradicionais.

A própria FAO, órgão das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação, tem se preocupado em reforçar o potencial e a necessidade de a agricultura ecológica substituir a agricultura tradicional, procurando resolver o paradoxo entre a crescente produtividade e o aumento da fome no mundo.
Não se pode negar que agrotóxicos e transgênicos podem aumentar a produtividade de alimentos, contudo, é preciso verifcar os reais impactos dessas práticas. Além disso, é importante destacar que cada vez mais são desenvolvidas técnicas menos impactantes e mais ecológicas de agricultura e pecuária que podem se tornar uma boa solução para a atual crise dos alimentos.
Fontes:

25 de fev. de 2011

A hélice da discórdia

(Crédito da foto: Rodrigo Baleia - Greenpeace)

O Greenpeace realizou na manhã de ontem, dia 24/02/11, uma manifestação pacífica no Congresso Nacional, com o intuito de chamar a atenção para o uso de energias renováveis no país e pedir mais agilidade na votação da Lei de Renováveis (Projeto de Lei nº 630/2003, de autoria do Deputado Roberto Gouveia - PT /SP).

No protesto, manifestantes dessa organização ergueram uma torre eólica inflável ao lado da cúpula que representa a Câmara Federal, como símbolo do uso de energias renováveis no país. Acabaram sendo detidos pela Polícia Legislativa, mas foram liberados no mesmo dia.

referido projeto de lei busca responder criativamente à necessidade de mudanças urgentes na atual matriz energética, que mostrou sua fragilidade, sobretudo, na época da denominada "Crise do Apagão", em 2001 e 2002, e que foi célebre pelo racionamento de energia e elevação de tarifas, motivada pela conjunção da falta de planejamento, ausência de investimentos em geração e distribuição de energia, além da escassez de chuva.

Um dos pontos positivos desse projeto refere-se à criação de um fundo especial para o financiamento de pesquisa e produção de energia elétrica e térmica a partir da energia solar e energia eólica, bem como financiamento da produção de insumos e equipamentos para geração destas fontes alternativas de energia, o qual seria administrado por um Comitê Gestor constituído no âmbito do Ministério de Minas e Energia.

Contudo, desde o fim de 2009 o projeto encontra-se parado, após a instauração de Comissão Especial destinada a proferir parecer.

Sobre as energias renováveis, é importante destacar que o próprio protocolo de Quioto sobre Mudanças Climáticas já destaca a importância de uma matriz energética limpa.

Nesse sentido, a Segunda Comunicação Nacional do Brasil à Convenção-Quadro das Nações Unidades sobre Mudanças Climáticas, elaborada pela Coordenação-Geral de Mudanças Globais do Clima do Ministério da Ciência e Tecnologia, em atendimento à Convenção sobre Mudança do Clima, já aponta para a necessidade de crescimento significativo da participação das novas fontes de energia renovável na matriz energética brasileira, tais como o uso moderno da biomassa (isto é, a exclusão dos usos tradicionais da biomassa, como lenha, e inclusão do uso de resíduos agrícolas e florestais, bem como de resíduos sólidos), as pequenas centrais hidrelétricas - PCHs, a energia eólica, a energia solar (incluindo fotovoltaica), a energia maremotriz e a energia geotérmica.

Porém, o que se nota atualmente é a priorização de formas de geração de energia tradicionais, a exemplo da recente inauguração, em Candiota, no Rio Grande do Sul, de uma usina termoelétrica, ou mesmo a priorização de geração de energias que embora renováveis, caracterizam-se pelo seu alto impacto ambiental, como se verifica no jogo político em torno das grandes usinas hidrelétricas, simbolizadas pela de Belo Monte, no Pará.

Essa postura ignora o grande potencial de geração de energia no país, como se verifica no Atlas do Potencial Eólico Brasileiro, elaborado pela Agência Nacional de Energia Elétrica. Nesse documento, vários estudos indicam valores extremamente consideráveis de geração de energia (em torno de 60.000 MW), cujos primeiras análises foram realizadas  na região Nordeste, principalmente no Ceará e em Pernambuco, dado seu amplo potencial para esse tipo de energia.

Além disso, o documento de Revolução Energética elaborado pelo Greenpeace esclarece que a matriz elétrica nacional pode se tornar 93% renovável até 2050 (hoje esse índice está em 88%). Além disso, essa matriz ajudaria a consolidar o compromisso brasileiro de cortar, até 2020, de 36% a 39% no volume de emissões de gases de efeito estufa, com o benefício adicional de promover a economia de bilhões de reais.

Enfim, com protestos como o de ontem, espera-se que o país abra os olhos para as energias renováveis, aumentando a porcentagem de seu uso na matriz energética.

Fontes:
http://www.greenpeace.org/brasil/pt/Noticias/A-revolucao-esta-na-lei/
http://www.greenpeace.org/brasil/pt/Blog/frio-na-barriga/blog/33459
http://www.greenpeace.org/brasil/pt/Noticias/A-revolucao-brasileira/
http://www.greenpeace.org/brasil/pt/Documentos/Revolucao-Energetica/
http://tnsustentavel.com.br/noticia/4390/dilma-discursa-a-favor-das-renovaveis-e-inaugura-termeletrica-a-carvao
http://www.cresesb.cepel.br/index.php?link=/atlas_eolico_brasil/atlas.htm
http://www.aneel.gov.br/aplicacoes/atlas/pdf/06-Energia_Eolica(3).pdf
http://www.mct.gov.br/index.php/content/view/4004.html

24 de fev. de 2011

Belo Monte, choque no Meio Ambiente

(Credito da Foto: Pedro Martinelli – Instituto Socioambiental)

O licenciamento ambiental é uma obrigação legal antecedente à instalação de qualquer empreendimento ou atividade potencialmente poluidor ou degradador do meio ambiente e possui como uma de suas mais expressivas características a participação social na tomada de decisão, por meio da realização de Audiências Públicas como parte do processo, conforme determinam a Lei 6.938/81 e as Resoluções CONAMA nº 001/86 e nº 237/97.

Dessa forma, é uma obrigação compartilhada pelos Órgãos Estaduais de Meio Ambiente e pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, como partes integrantes do SISNAMA (Sistema Nacional de Meio Ambiente). O IBAMA atua, portanto, no licenciamento de grandes projetos de infra-estrutura que envolvam impactos em mais de um estado e nas atividades do setor de petróleo e gás na plataforma continental, ficando as demais obras a cargo dos outros órgãos do SISNAMA, conforme sua competência territorial.

O licenciamento ambiental é um ato administrativo composto pela (i) Licença Prévia (LP), concedida na fase preliminar do planejamento do empreendimento ou atividade e aprova sua localização e concepção, atestando a viabilidade ambiental e estabelecendo os requisitos básicos e condicionantes a serem atendidos nas próximas fases de sua implementação; pela (ii) Licença de Instalação (LI), que autoriza a instalação do empreendimento ou atividade de acordo com as especificações constantes dos planos, programas e projetos aprovados, incluindo as medidas de controle ambiental e demais condicionantes da qual constituem motivo determinante; e, por fim, (iii) a Licença de Operação (LO), que autoriza a operação da atividade ou empreendimento, após a verificação do efetivo cumprimento do que consta das licenças anteriores, com as medidas de controle ambiental e condicionantes determinados para a operação.

Mas isso nem sempre é respeitado. Um dos projetos de grande porte mais controversos atualmente, bem como a maior obra do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), é a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu, no estado do Pará, cujas pressões políticas já causaram a renúncia da Ministra do Meio Ambiente Marina Silva e recentemente a do presidente do Ibama, Abelardo Bayma Azevedo.

A obra está longe de ser uma unanimidade, já que os movimentos sociais, a população local, os ambientalistas e as lideranças indígenas da região são em sua maioria contrários à construção, uma vez que consideram que os impactos socioambientais não estão suficientemente dimensionados. Além disso, a usina inundará cerca de 400.000 hectares de floresta, expulsará 40.000 indígenas e populações locais e destruirá o habitat de várias espécies, com o intuito de gerar energia, que poderia muito bem ser suprida com investimentos em eficiência energética de outras usinas ou até mesmo com usinas baseadas em energia renováveis e demais fontes limpas, dado o grande potencial das regiões norte e nordeste.

Apesar de toda essa controvérsia, o Ibama dividiu o empreendimento como forma de facilitar o licenciamento. Ao invés de licenciar a usina como um todo, preferiu-se dividi-la por etapas, isto é, um licenciamento para o canteiro de obras e outro para a usina, conforme Processo nº 02001.001848/2006-75, no qual, entre outras informações alarmantes, se verifica que serão removidos 342,60 hectares de vegetação, inclusive em áreas de proteção permanente. É importante destacar que procedimento similar de licenciamento parcelado ocorreu com a Usina Hidrelétrica de Jirau, no rio Madeira, localizada no estado de Rondônia.

Aliás, essa flexibilização da legislação ambiental parece ser a tônica do governo daqui pra frente, apesar de todas as promessas e compromissos eleitorais de priorização de energias limpas e eficiência energética. Trata-se da política denominada "Choque de Gestão Ambiental", que será apresentada provavelmente após o carnaval. Essa política busca diminuir as exigências para construção e exploração dos recursos ambientais a fim de aplicar a cada tipo de obra regras específicas, em vez da regra única existente hoje. Em resumo, abrirá ainda mais brechas para o desrespeito na legislação ambiental do país.

De que adianta ter a legislação ambiental mais avançada do mundo, declarada pelo próprio governo, se o próprio Estado não a respeita? O equilíbrio entre desenvolvimento econômico e proteção ambiental está cada vez mais abalado.


Fontes: