21 de ago. de 2013

Jurisprudência: demora na emissão de autorização ambiental

O Tribunal Regional Federal da 1ª Região negou recurso apresentado por um fazendeiro da Bahia contra o IBAMA que buscou indenização pela demora de 13 anos para a emitir autorização para desmatamento.

O caso teve início em março de 1996, quando o fazendeiro entrou com pedido de autorização para desmatar 600 hectares de terra e efetuou o pagamento de uma taxa de vistoria, no valor de R$ 456. Na mesma época, ele apresentou um projeto de financiamento ao Banco do Nordeste para explorar a bovinocultura de corte, com a aquisição de 900 novilhas e 36 reprodutores da raça Nelore, e o cultivo de 180 hectares de soja.

O fazendeiro argumenta que não obteve os recursos devido à demora do Ibama em dar encaminhamento ao processo administrativo, que só voltou a ser movimentado em 2009 após interpelação judicial. Na época, o Ibama decidiu arquivar o processo por entender que a apreciação do pedido não era de sua competência, mas do órgão ambiental do estado. Considerando tudo o que poderia ter ganhado com o empreendimento rural, o apelante protocolou, então, a ação judicial para reparar os danos provocados pela "inércia" do Ibama.
 
(Baseado em notícia do Valor Econômico de 19/08/2013)
 
Abaixo está a íntegra do acórdão:
APELAÇÃO CÍVEL 0014040-98.2009.4.01.3300 (2009.33.00.014045-7)/BA
Processo na Origem: 140409820094013300
R E L ATO R : DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO BATISTA MOREIRA
APELANTE : JOSE LEAO CARNEIRO
ADVOGADO : JOSE LEAO CARNEIRO E OUTROS(AS)
APELANTE : INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS - IBAMA
PROCURADOR : ADRIANA MAIA VENTURINI
APELADO : OS MESMOS
EMENTA
AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. DEMORA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. PROCESSO ADMINISTRATIVO. PRINCÍPIO DO IMPULSO OFICIAL.
PARTICIPAÇÃO DO INTERESSADO. NÃO AFASTAMENTO. NEXO DE CAUSALIDADE. DIVISÃO DE RESPONSABILIDADES. PERDA DE UMA CHANCE. LUCROS CESSANTES. INOCORRÊNCIA.
RESTITUIÇÃO DE TAXA. PRESCRIÇÃO. AFASTAMENTO. MEDIDA DE EQÜIDADE. JUROS MORATÓRIOS. ADEQUAÇÃO.
1. Agravo retido de decisão em que se extinguiu, sem resolução de mérito, pedido de condenação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) a dar prosseguimento a processo administrativo versando sobre pedido de autorização de
desmatamento. Agravo retido também de decisão em que se indeferiu prova testemunhal. Apelações interpostas pelo autor e pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) de sentença em que foi julgado improcedente pedido de indenização por perda de uma chance/lucros cessantes e procedente pedido de indenização por danos emergentes (pagamento de taxa de vistoria).
2. O autor alega que, em virtude de demora do IBAMA em decidir pedido de autorização para desmatamento, tivera prejuízos, consistentes na frustração de ganhos que seriam auferidos da
exploração econômica de suas propriedades rurais. Sustenta que ato omissivo ilícito está provado, vez que protocolizara pedido de autorização para o desmate em 1996 e o processo administrativo ficou paralisado desde aquele ano, voltando a ser movimentado somente em
2009, por força de interpelação judicial.
3. O IBAMA alega que não há falar em omissão, porquanto a utorização de desmatamento dependia da juntada, a cargo do interessado, de documentos indispensáveis à instrução. Também alega que os juros moratórios devem respeitar "os limites estabelecidos no art. 1º-F
da Lei n. 9.494/1997, alterada pela Lei n. 11.960, de 2009".
4. Somente se poderia cogitar de atuação supletiva do IBAMA em caso de impossibilidade técnica/operacional ou mesmo de omissão pura e simples do órgão ou entidade originariamente competente para o licenciamento, o que não é o caso.
5. Não houve, na decisão de arquivamento do processo administrativo, dano ao autor, que poderia (ou pode) solicitar a abertura de processo na esfera competente, valendo-se, inclusive, de cópia dos autos arquivados, a fim de agilizar a instrução.
6. O princípio do impulso oficial - art. 29 da Lei n. 9.784/99 - não obriga a Administração a assumir toda a responsabilidade pela demora no processamento dos pedidos a ela dirigidos. O processo administrativo coloca a Administração em posição horizontal à sociedade. O interessado não está desobrigado de participar ativamente da instrução, a fim de assegurar a oportuna tomada de decisão.
7. Não é razoável imputar exclusivamente à Administração a esponsabilidade pela demora de 13 (treze) anos na tramitação de um pedido de autorização para desmatamento. O processo foi arquivado por superveniente incompetência do IBAMA para a autorização, mas não surpreenderia que a autarquia tivesse decidido pelo arquivamento em face de superveniente falta de interesse do autor, evidenciada pela ausência de qualquer requerimento formal de providências durante tão longo tempo.
8. Não há nos autos prova de que contrato(s) de financiamento tenha(m) sido frustrado(s) por conta da alegada demora da Administração. Inexiste, pois, nexo de causalidade entre a demora de prestação de serviços por parte do IBAMA e a alegada perda de uma chance.
9. Ainda que o autor dispusesse de recursos próprios para empreender as atividades agropastoris, não há falar em danos indenizáveis. A obtenção da autorização de desmatamento é apenas uma das fases do processo de produção. Mesmo o fato de a área estar desmatada não
implica êxito da atividade comercial produtiva. A exploração da agropecuária está sujeita a riscos, assim como qualquer outra atividade produtiva.
10. O projeto apresentado pelo autor ao Banco do Nordeste do Brasil faz uma evolução dos investimentos e projeta ganhos. Trata-se, pois, de projeção. A não implementação do projeto
implica, no máximo, a perda do trabalho de projeção, que, afinal, poderia não se confirmar,
inclusive por conta dos naturais riscos a que está sujeita a atividade produtiva.
11. Os lucros cessantes são ganhos futuros, mas certos, que o credor haveria de perceber, não
fosse a conduta lesiva de outrem. Lucros cessantes não são compatíveis com eventualidade.
O fato de o autor ter-se insurgido contra a alegada demora do IBAMA em decidir o pedido de
autorização de desmatamento somente após o transcurso de 13 (treze) anos da protocolização
esmaece o alegado intento firme de explorar comercialmente as propriedades rurais.
12. Se a vistoria somente foi descartada com a decisão de arquivamento do processo, começa
a fluir daí o prazo prescricional para restituição da taxa. A decisão (administrativa) de arquivamento
do processo, no entanto, é praticamente concomitante ao ajuizamento da ação
indenizatória.
13. O recolhimento de taxa não implica que a Administração está obrigada a deferir o pleito do
interessado. A prestação do serviço ocorre mesmo que o pedido não seja deferido. Se o
IBAMA decide que não é competente para a vistoria, o pleito foi apreciado, não havendo se
falar, pois, em ausência de prestação do serviço.
14. De todo modo, a sentença não é contrária ao direito. O IBAMA e os órgãos/entidades
municipais ou estaduais integram o Sistema Nacional do Meio Ambiente (Lei n. 6.938/81). O
autor terá, ao pleitear novo pedido de desmatamento, de recolher a respectiva taxa. A restituição,
pelo IBAMA, do valor recolhido afigura-se, no mínimo, medida de eqüidade, especialmente
quando a própria Lei n. 9.784/99 estabelece que os atos do processo "devem
realizar-se do modo menos oneroso" para o interessado (art. 29, § 1º).
15. "Nas indenizações por danos (...), decorrentes da responsabilidade objetiva do Estado,
incidem juros moratórios de 0, 5% ao mês, nos termos do art. 1.062 do Código Civil de 1916
até a entrada em vigor do Novo Código Civil (Lei 10.406/01), a partir do qual, conforme
disposto em seu art. 406, deverão observar a taxa que estiver em vigor para a mora do
pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional, qual seja, a SELIC, ex vi da Lei 9.250/95.
Tal sistemática prevalecerá até a entrada em vigor da Lei 11.960/09, que deu nova redação ao
art. 1º-F da Lei 9.494/97" (EDcl no REsp 1210778/SC, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima,
Primeira Turma, DJe de 19/12/2011).
16. Agravos retidos e apelação do autor não providos.
17. Apelação do IBAMA parcialmente provida, apenas para adequar a base de cálculo dos
juros moratórios relativos à indenização por danos emergentes (restituição da taxa recolhida),
fixada na sentença, ao decidido no REsp 1205946/SP.
ACÓRDÃO
Decide a Quinta Turma do Tribunal Regional Federal - 1ª Região, por unanimidade,
negar provimento aos agravos retidos e à apelação do autor e dar provimento, em parte, à
apelação do IBAMA, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 31de julho de 2013 (data do julgamento).
JOÃO BATISTA MOREIRA
Desembargador Federal - Relator

13 de ago. de 2013

Jurisprudência: Responsabilidade Ambiental para Pessoas Físicas e Jurídicas

No recente acórdão do Recurso Extraordinário 548181, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu pela continuidade da ação penal contra a Petrobras, mesmo após o trancamento da ação em relação ao presidente da empresa, gerando um interessante precedente sobre a responsabilidade ambiental de empresas. 
 

Em 16/07/2000 houve rompimento de um duto em uma refinaria da Petrobras em Araucária/PR, ocasionando o derramamento de 4 milhões de litros de óleo cru, poluindo os rios Barigui, Iguaçu e áreas ribeirinhas. A denúncia levou à instauração de ação penal por prática de crime ambiental com objetivo de responsabilizar criminalmente o presidente da Petrobrás e o superintendente da refinaria, à época, além da própria Petrobras (pessoa jurídica).

 

Em habeas corpus julgado em 2005 pela Segunda Turma do STF, o presidente da Petrobras conseguiu o trancamento da ação penal, alegando inexistência de relação causal entre o vazamento e sua ação. No STJ, a 6ª Turma concedeu habeas corpus de ofício ao superintendente da empresa, trancando também a ação contra a Petrobras, por entender que o processo penal não poderia prosseguir exclusivamente contra pessoa jurídica. Contra a decisão, o MPF interpôs o Recurso Extraordinário 548181, de relatoria da ministra Rosa Weber, levado a julgamento na sessão de 06/08/2013 da Primeira Turma.

 

Por maioria de votos, a Primeira Turma do STF reconheceu a possibilidade de se processar penalmente uma pessoa jurídica, mesmo não havendo ação penal em curso contra pessoa física com relação ao crime. A decisão determinou o processamento de ação penal contra a Petrobras pelo crime ambiental relacionado ao vazamento em Araucária.

 

Rosa Weber entendeu que a decisão do STJ violou diretamente a Constituição Federal, pois deixou de aplicar um comando expresso, previsto no artigo 225, § 3º (condutas lesivas ao meio ambiente sujeitam as pessoas físicas e jurídicas a sanções penais e administrativas). Para a relatora, a Constituição não estabelece nenhum condicionamento para a previsão, ao contrário do que entendeu o STJ ao prever o processamento simultâneo da empresa e da pessoa física.

 

A ministra afastou o entendimento do STJ segundo o qual a persecução penal de pessoas jurídicas só é possível se estiver caracterizada ação humana individual. Segundo seu voto, nem sempre é o caso de se imputar determinado ato a uma única pessoa física, pois muitas vezes os atos de uma pessoa jurídica podem ser atribuídos a um conjunto de indivíduos. "A dificuldade de identificar o responsável leva à impossibilidade de imposição de sanção por delitos ambientais. Não é necessária a demonstração de coautoria da pessoa física", afirmou Rosa Weber, para quem a exigência da presença concomitante da pessoa física e da pessoa jurídica na ação penal esvazia o comando constitucional.

 

A relatora também abordou a alegação de que o legislador ordinário não teria estabelecido por completo os critérios de imputação da pessoa jurídica por crimes ambientais, e que não haveria como simplesmente querer transpor os paradigmas de imputação das pessoas físicas aos entes coletivos. "O mais adequado do ponto de vista da norma constitucional será que doutrina e jurisprudência desenvolvam esses critérios", sustentou.

 

Abaixo está a súmula do acórdão:

 

Preliminarmente e, por maioria de votos, a Turma decidiu não apreciar a prescrição da ação penal, porquanto ausentes elementos para sua aferição em matéria estranha ao recurso, nos termos do voto da Relatora, vencidos os Senhores Ministros Marco Aurélio e Luiz Fux. No mérito e, por maioria de votos, a Turma conheceu, em parte, do recurso extraordinário e, nessa parte, deu-lhe provimento, nos termos do voto da Relatora, vencidos os Senhores Ministros Marco Aurélio e Luiz Fux, Presidente. Falou o Dr. José Gerardo Grossi. 1ª Turma, 6.8.2013.